Poemas da clementina

 

mariaNa minha aldeia ainda há pessoas a quem em criança não foi possível ir à escola, mas como para ser poeta ou poetisa não basta que isso aconteça, mas sim quem nasceu com essa qualidade. Foi o que aconteceu com a Clementina Sousa, ainda muito nova passou o tempo que seria de idade escolar trabalhando como criada de servir, depois ajudando os pais  no campo e em outros serviços e, a escola como não era obrigatório não a frequentou. Só uns anos mais tarde teve algum tempo para ver os trabalhos que os irmãos mais novos que já frequentaram a escola traziam para fazer em casa, foi assim que aprendeu e quando a disponibilidade tornou possível começou a fazer aquilo que tanto gosta, escrever poemas o que faz com relativa facilidade…

Há dias sabendo que eu gosto destas coisas… quis que eu visse algum do seu trabalho, li e gostei, por isso me prontifiquei a publicar no meu blogue alguns dos vários poemas que ela tem. É a primeira vez que publico trabalhos que não são meus, mas quando gosto daquilo que as pessoas fazem ou dizem e tenho oportunidade não passo sem lhe dizer que gosto… neste caso não só lhe disse como me disponibilizei para publicar, o que ela logo aceitou.

No ano de 2007 aconteceu nos Molianos um encontro de poetas populares, foi por essa altura que a Clementina já avó de onze netos quis dar a conhecer de que era capaz, concorreu e a menina que nunca foi à escola ganhou o primeiro prémio então com o pseudónimo de Rosa Carolina, até esse dia, poucos sabiam das suas qualidades poéticas.

 O Pensamento

Hoje quero falar um pouco de mim,

Quero falar do pensamento

Que vagueia mais que o vento e nunca sabe onde vai,

Ele anda tão depressa,

Tem vezes que tropeça e tenta equilibrar-se para ver se não cai.

O pensamento fala alto e fala baixinho,

Diz- me coisas boas e coisas más,

E tem vezes que me ensina o caminho.

O pensamento é constante,

Desvanece num instante e faz-me mudar de sentido,

Há dias, em que de repente ele põe-se à minha frente

E faz-me traçar num novo objetivo.

Estarei certa ou errada, com isso não me importa,

 No silencio da noite,

Há uma subtileza no vento que fico sem saber se é gente,

Ou o pensamento que me está a bater à porta.

 Clementina Sousa                                                

 

O universo

Deus formou o universo, o céu e a terra,

Tudo que era belo, para podermos usufruir,

 Também criou o homem,

 Com o seu instinto de ganancia logo pensou em destruir.

O homem constrói e destrói riquezas,

Até se enche de glória, mas coitado anda distraído,

Nem repara naquele que a seu lado chora,

Uns choram porque não tem saúde, outros porque não tem ninguém,

Outros porque não têm pão, e alguns porque nada tem.

Também há os que choram porque arranjaram sarilhos,

Mas, mais grave é aquele que chora porque não tem que dar de comer aos filhos.

Homem poderoso! Olha bem em frente naquele monte!

Verás que brota de lá uma fonte de água cristalina e corrente,

Verga-te e bebe, porque o orgulho em nada faz sentido,

Assim serás feliz! Deixa de andar distraído.

Clementina de Sousa

 

Palavras

 Palavras que eu não consigo dizer,

Que são abafadas pelo silêncio,

Não sei dizer por palavras

Tudo aquilo que penso.

  Umas sem nexo, como quem chora ou canta,

Mas elas teimam em não sair da garganta,

As palavras são como um animal

         Que foge da manada e fica perdido,

Também elas, se não forem bem articuladas,

Perdem todo o sentido.

 Palavras de dor que se transformam em amor,

Nelas há uma mistura de raiva e de ternura,

Umas não saem do pensamento, outras voam como o vento,

Mesmo que eu chore ou cante,

Teimosamente, elas não saem da garganta.

Clementina Sousa

 

                           Poema da vida

Eu sei que a vida é bela,

Desde o nascer ao sol-pôr,

Mas vista pela janela,

Ela tem muito mais valor.

Com três anos apenas,

Sem saber das dificuldades,

Fui levada para servir,

Na antiga Adega dos Frades.

Trabalhei por vales e montes,

Mas nunca tive sozinha,

Se um dia tinha pouco,

No outro nada tinha.

A vida é como um cristal

Que brilha no fundo do mar,

Todos o vêm, e afinal,

Só alguns o conseguem agarrar.

Avida dá-nos beleza,

Também nos dá dissabores,

Casei e tive filhos,

Que são os meus grandes amores,

Porque nas horas mais difíceis

Dão-me carinho e afetos,

Também me sinto feliz, por me terem dado onze netos.

Os caminhos que trilhei na vida

E os que terei de trilhar,

Nem sempre aproveitei

O que de bom a vida tinha para me dar.

As palavras que descrevo,

Têm amarguras, alegrias e verdade,

Porque eu tive sempre com a vida

Uma grande cumplicidade.

Hoje com os cabelos brancos,

Eu digo com emoção

Todos os dias tiro da vida

Uma grade lição.

Mas afinal quem eu sou?

Alguém que nunca brincou

Nem foi à escola,

Alguém que nunca agarrou

Por entre as mãos um livro,

Nem um lanche dentro da sacola.

Mas por tudo que vivi,

Também tive um pouco de ilusão,

Quando eu adormecer e não acordar

Eu sei que irei levar

Tudo isto no meu coração.

De uma coisa eu tenho a certeza,

E até digo com graça,

Tenho orgulho de ser portuguesa

E ser do concelho de Alcobaça.

 

Clementina Sousa

 

                                                    As flores

Estava eu a olhar um ramo de flores

Reparei como todas são belas,

De todas as cores

Orquídeas, rosas, malmequeres e até as mais singelas.

Em todo lado ficam bem,

Em vasos, em jardim ou canteiros,

Quantas vezes, elas são mais bonitas

Quando são criadas no meio dos espinheiros.

Estão bem em casas ricas e nas de mais pobreza,

Companheiras de momentos de alegria e também nos de maior tristeza.

Flores, flores com tanto encanto e beleza,

É o adorno principal de uma noiva e o de grandes salões da nobreza.

De tudo bonito que eu vejo, faço um resumo para finalizar

Elas ficam bem nas igrejas e nos bonitos altares.

Deus fez tudo tão lindo e com tanta pureza,

Até parece ouvi-las cantar um hino à Mãe Natureza.

                       Clementina Sousa

 Um dia a Clementina for ver tocar uns jovens músicos dos quais um era seu neto, 

ao chegar a casa escreveu assim.

A música

A música é como a rosa- dos- ventos,

Que caminha na rota dos sete mares,

E que dá a volta ao mundo,

Tem sentimentos profundos,

E não há quem a faça parar.

A música dá- me alegria,

Há nela uma magia

Que parece vinda do infinito,

Quando é bem tocada não há nada mais bonito.

Sejam adultos ou crianças, hão -de ver que da vossa infância nunca se irão esquecer,

Ficará uma semente que pela vida fora irá prevalecer.

Quero deixar o meu obrigado do fundo do coração,

Por aquilo que acabei de ver,

O vosso trabalho não foi em vão.

Quero, também, deixar um abraço sincero e de verdade,

Desejando para a vossa vida

Muitas e muitas felicidades

 

Clementina Sousa

 


O passarinho

  

mosquito

 

 

 

 

 

 

 

 

Passarinho do meu quintal

Como é lindo o teu piar

Quem me dera cantar assim

E o meu amor a escutar

Passarinho quem dera eu ser

Para poder cantar e voar

Cedinho à tua janela ia ter

Só para ver o teu acordar

Passarinho que a asa bate

É sinal de barulho por perto

Ele foge para qualquer parte

Quase sempre pró deserto

Numa uma noite de luar

Ele cantava em sustenido

O meu amor me fez recordar

Fiquei triste, há muito tinha partido…

AEJF


Estive lá contigo

Hoje pela manhã passei na tua rua vi-te no jardim, não sei se estavas, mas eu estive lá contigo…

Ah, quem me dera! Quem me dera que a imaginação fosse a verdade que me prende a onde não estou.

Serias a minha insubstituível companhia, assim também és… mas continuo a andar só.

Certamente não via o que hoje a minha vista alcança. Não sei o que faria, mas a felicidade estaria sempre comigo.

O amor que a ti me prende seria como o sol, não mais me deixaria ao frio, e a esperança seria luz onde não teria lugar a escuridão.

AEJF

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Gestor de Ausências

2014-01-15 escuro 001 

Quando ao entardecer da vida nos transforma-mos de guardadores de sonhos em gestor de ausências

É o tempo que não volta.

A saúde que nos abandonou.

Aquela mulher que um dia nos olhou ternamente, mas não deixou o seu contacto.

Alguns amigos que supúnhamos ter, ao mais leve estremecer se evaporaram.

Alguém que disse sim com a voz… e não com o pensamento.

O passarinho que todos os dias cantava à nossa janela, e o gato um dia, devorou.

 O caminho por onde passávamos, já lá não está.

Alguém, que era única, e um dia a morte levou.

Ainda há quem diga, ele já nada faz.

 

António EJ Ferreira


Frases Expostas

2013-09-09 003

 

  É triste ter de caminhar só, mas raramente consigo pensar como a maioria.

Alguém um dia me disse, cada um tem a liberdade de escolher o seu caminho.

 De que me vale ter liberdade para escolher, se desconhecer aquilo que quero!

Que bom seria, todos saberem que só o conhecimento nos pode fazer seres livres

Algumas vezes fui na onda… seguindo os outros.

Quando dei por mim, estava como eles, no caminho errado.

O que existe mas não se vê, para muita gente não existe…

É triste, mas o desconhecimento faz muita gente feliz…

 O combate à ignorância é um fardo pesado.

 Enquanto puder caminhar, nunca o deitarei ao chão.

 António EJ Ferreira

 


Ilusões

DSCF1097Quando me chamavas amor, não sei se chamavas?…Também eu, quando dizia com doçura que te amava, não sei porque o dizia.

Não raramente é ilusão o que nos faz sentir assim.

O amor pode ser mais do que dizemos, pensamos ou julgamos sentir.

O nosso, não passava disso mesmo, ilusão.

O jardim em que supúnhamos viver, nunca teve flores, o sol que nos aquecia não era sol.

A luz que nos envolvia, não era luz, mas sim o reflexo da ilusão em que nos deixamos enredar.

Quando me chamavas amor, não sei se chamavas…

Também eu dizia que te amava… Agora sei que não eras o meu amor

Não renego o meu passado, nem lamento nada do que fiz!

Mas se pudesse voltar atrás, do que fiz pouco faria, talvez fizesse alguém feliz

António EJ ferreira


Porquê

Porque dizes tu que és minha amiga?

Se quando te peço que me vejas, apenas me olhas.

Se te peço que me escutes, apenas me ouves.

Se te peço que me fales pensas sempre no que dizes mas raramente dizes aquilo que pensas.

Nunca te pedi para que fosses minha amiga, muito menos que dissesses que o eras.

Eu sei, nesse tempo junto a mim o Sol aquecia mais; talvez por isso te tenhas aproximado sem que alguma vez eu tenha reparado que procuraste a sombra.

Mas o tempo mudou, as nuvens chegaram e o sol encobriu.

Foi então que olhei em meu redor, e já estava só. Então eu senti que os nossos amigos raramente são os que o dizem ser, mas sim, aqueles que se não afastam de nós quando deles mais precisamos.

Mas o amanhã é sempre outro dia.

E, eu esperarei que o sol volte de novo e então prometo a mim mesmo, que hei- de saber distinguir aqueles que se aproximam de nós só porque de onde vem o tempo está frio.

António EJ Ferreira


O menino que não sabia ler

O Germano, como quase todos os meninos da sua idade, era alegre e brincalhão. Havia no entanto uma pessoa já idosa, com quem ele muito gostava de brincar e conversar, era o seu avô paterno, o ti João da Cerca. Viúvo há muitos anos, apesar da idade avançada continuava a morar na sua casinha, pequena e modesta, mas para ele a melhor.

O Germano, como a maioria das crianças do seu tempo, não sabia ler nem escrever; mas ele tinha os seus sonhos e, fazia projetos para quando fosse grande, conversava muito com o avô, que o escutava com toda a atenção e a alegria de quem tem por companhia alguém de quem muito gosta.

Quando chegava a sua vez de falar, o avô, fazia uso de toda a sabedoria que acumulara ao longo dos seus noventa e três anos de idade. Era lindo de ver e ouvir a conversa que eles mantinham, um com uma vontade enorme de saber coisas, e o outro, com uma vontade ainda maior de transmitir conhecimentos ao netinho. Respondia a todas as perguntas que este lhe fazia, com a paciência de alguém que está a viver momentos de rara felicidade. O tempo foi passando, e numa manhã de Abril tudo mudou, a morte chegou, e o avô João partia para sempre, deixando em todos que o conheciam a sensação de ter morrido feliz.

O Germano, por essa altura com treze anos de idade, foi o que mais sentiu a perda do avô. Nas conversas com quem privava mais de perto dizia, quando for maior, hei -de ser como o meu avô João, quero casar, ter filhos e netos e quando chegar a velhinho, brincar com eles e ensinar-lhe muitas coisas como o meu avô me ensinou.

O tempo passou, e o Germano viria a casar aos dezanove anos com a Guilhermina, tiveram dois filhos a quem com muito esforço, conseguiram que eles alcançassem formação superior.

O Pedro licenciou-se em direito e abriu escritório na cidade do Porto, aí ficando a trabalhar, gostava muito dos pais mas raramente podia estar com eles. O Francisco formou-se em agronomia e arranjou trabalho no Ministério da Agricultura em Lisboa. Passado pouco tempo, casou com uma mulher algarvia, o que dificultava ainda mais a ida à terra dos pais no Alto Minho. O tempo foi passando e um dia, também o Germano ficou viúvo, se até então na companhia da Guilhermina fora muito feliz, depressa os sonhos de menino se desmoronaram. A morte da esposa deixou-o bastante triste e só, raramente podia ver os filhos e os netos de quem muito gostava.

Atendendo à vida demasiado preenchida do advogado Pedro, assim como do engenheiro Francisco da Cerca, estes não podiam ter o pai com eles, mas para ele, queriam aquilo que lhes parecia ser o melhor. Arranjaram-lhe na cidade de Valença lugar num Lar que acharam acolhedor e com bom serviço. Mas o velhinho Germano, nas poucas conversas que tinha no Lar com as outras pessoas, de vez em quando ainda falava do seu avô João da Cerca e dos netos que quase não conhecia, poucos meses depois viria a falecer. Diziam os que com ele conviveram, que o pouco tempo que lá esteve, deixava transparecer o desânimo em cada olhar, próprio de quem apenas tem a tristeza e a saudade por companhia.

António E J Ferreira


Escuta

Por onde caminhas agora! Há muito eu já passei, já senti o que agora sentes, no tempo em que estás eu já estive e muitas vezes errei. Escuta!… Escuta quem sabe, mesmo que penses que não, porque o tempo vai passando e, hás- de um dia ver quem tu pensavas não ter, até tinha razão.

A vida é como o vento, ainda que nos custe a aceitar, não raramente a supomos em boa direção, já ela está a mudar. Em quase todos, julgas um cota ver… mas as coisas nem sempre são o que parece, nem o que supomos ser. Por aquilo que sabes, pelo que julgas que sabes e porque navegas na Net, chegas a pensar que nada mais precisas saber. Mas cuidado! As coisas fáceis algumas vezes trazem à mistura grandes doses de ilusão; o presente só existe, porque o passado aconteceu! O amanhã… acontecerá ou não.

António EJ Ferreira


Outros Tempos

Decorria o ano de mil novecentos e oitenta e três. Era necessário arranjar fundos para o rancho folclórico dos Molianos (naquele tempo não havia subsídios). Daí, a necessidade de inventar e, para tal, tínhamos um especialista, o saudoso Lourenço, e uma das invenções dele, constava de um sorteio baseado numa adivinha, que era feito durante as viagens no autocarro, onde normalmente, todos os elementos do grupo e acompanhantes participavam. Desta vez coube-me a mim construir a adivinha, foi fácil, uma foto feita por palavras, mas facilmente também, todos acertaram na resposta pedida, o personagem em causa era tão especial, que não deixava margem para dúvidas entre os que o conheciam nesse já distante ano de 1983.

Adivinhe você também, se não conseguir: descodifique a frase que está no fundo do texto.

A adivinha, foto por palavras, era assim:

Ainda novo foi trabalhador alguns desvarios cometeu, agora não é vagabundo, mas é homem que se perdeu. Cedo foi caminhante pelas ruas de Lisboa, o tempo foi passando, agora, anda por aí à toa. Corpo franzino e pequeno a todos diz ser valente, e nunca ter tido medo de quem foge à sua frente. Não tem, pede um cigarro, e chama logo de amigo, sem saber se dão ou não, ele diz, tenha cuidado comigo… Camponês, leiteiro e taxista, andou pelas ruas de Lisboa, agora anda por aí a pé até prece ter vida boa. Filho de boa gente, alguém lhe tramou o destino, agora fala com saudades de quando era o leiteirinho. A todos ele faz sorrir, hoje como antigamente, pouco importa se conhece ou não, mas a todos chama parente.

António EJ Ferreira

ocirednim