Aquela viagem rumo ao sul

 

 

bijagóDurante toda a viagem fui sentado no mesmo sitio, imagem sinalizada, faz hoje quarenta e um anos.

Cobumba, local para nós desconhecido,  era o destino daquela viagem. O regresso era possível, mas, dificilmente iria ser para todos. Foi este, um dos pensamentos que me acompanhou e, aquele que mais me “marcou” durante toda viagem que teve início na tarde do dia sete de Abril de 1973, que só viria a terminar no dia seguinte.

Ao deixar o cais, ia fixando o olhar em Bissau, mas o pensamento já estava num local onde até há cerca de três semanas nunca tinha ouvido falar. À medida que a LDG ia sulcando as águas calmas daquele mar azul, junto à costa, eram cada vez mais as preocupações que me invadiam o cérebro. Será que voltarei a Bissau… o meu filho ainda me voltará a ver?

Quando ainda na metrópole, algumas das conversas que era frequente ouvir aos militares que regressavam vindos de áfrica, era: durante os primeiros meses estivemos numa zona muito má, depois o resto da comissão já foi num local muito melhor, alguns até diziam, nesse sítio passamos melhor tempo que se estivéssemos por cá. É certo que no início a maioria dos que regressavam vinham de Angola… Então porquê a mim e aos meus camaradas acontecer-nos o contrário! Treze meses num sítio de muito trabalho, mas onde a guerra apesar de ter deixado as suas marcas, que o digam os nossos três camaradas  que ficaram sem um pé cada consequência do rebentamento de minas, ou o susto provocado pelo único ataque ao aquartelamento, em que uma morteirada caiu e explodiu a cerca de quinze metros do local onde me encontrava, nada agradável, mas comparando com outros sítios…

Contrastando com o meu pensamento naquela tarde, estava o mar, parecia uma lagoa tal era a calma das suas águas. Éramos muitos que viajamos “amontoados” naquele espaço; quatro viaturas carregadas de material, duas Berliet e dois unimog 404, todo o pessoal da companhia e o respetivo equipamento, o pessoal de armas pesadas que foi connosco, alguns civis, e a respetiva guarnição da LDG, muita gente, mas pouca conversa durante toda a viagem, mesmo os mais faladores não se faziam ouvir. A situação que estávamos a viver justificava esse comportamento.

Ao cair da noite a LDG parou, algures à entrada do rio cumbijã, onde estivemos até ao raiar da manhã. Não sei se estaria previsto parar naquele sítio, estávamos ali há poucos minutos, foi tal o temporal que se levantou, em que o vento e a agitação marítima que se fizeram sentir, eram de tal violência que a LDG mais parecia um barco de papel ao sabor do vento. Os que não estavam habituados a navegar, como era o meu caso, tiveram muito medo.

Na manhã do dia seguinte a LDG continuou a viagem para Cobumba, a partir de determinado sítio tivemos a companhia de dois animais marinhos que suponho serem golfinhos, nunca tal tinha visto nem voltei a ver assim tão perto, ora seguindo a nosso lado ou à frente fazendo-nos companhia durante algum tempo, para depois nos deixarem.

Já próximo de Cobumba a companhia foi outra, um navio patrulha da armada. Durante o tempo que estivemos à espera que se efetuasse o desembarque, foram algumas horas, manteve-se por perto quase sempre em movimento. Enquanto íamos esperando, aproveitamos para ouvir o relato de um jogo de futebol, entre o Benfica e o Porto que estava a ser transmitido pela rádio, como era importante tudo que tinha a ver com a metrópole, os benfiquistas tinham como grande referência Eusébio, os portista o Cubillas. A saída da LDG só aconteceu quando se aproximou de nós um grupo de para-quedistas, que apareceram junto ao rio, vindo do lado da povoação de Cobumba; as primeiras tabancas ficavam a cerca de quinhentos metros.

Dando razão às preocupações que durante a viagem todos tínhamos,  vinte minutos depois dos primeiros terem deixado a LDG, dois já estavam à espera de ser evacuados para Bissau. A primeira mina tinha sido acionada pela primeira viatura que depois de descarregar voltava à LDG para novo carregamento, o heli que estava na zona demorou poucos minutos a chegar.

O resto do desembarque fez-se sem sobressaltos de maior… do tempo que estivemos em Cobumba já dei conta noutros trabalhos que publiquei. Ver aqui

António EJ Ferreira